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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

REFLEXÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO


O livro Reflexões sobre Alfabetização, de Emilia Ferreiro, traz ao leitor, através de quatro diferentes artigos, reflexões sobre a prática docente na alfabetização.
Suas colocações resultam de vários anos de investigação e pesquisas, por meio dos quais, ela compreendeu que a escrita não é apenas um código de transcrição, mas um sistema de representação de determinada realidade.
Dessa forma, aprender esse novo sistema, implica, para a criança, apropriar-se de um conceito, e não apenas uma série de técnicas e passos metodológicos; o que significa diversas tentativas, visando a uma produção.
Essa questão tem relação direta com a forma como a criança é ensinada no processo de alfabetização, uma vez que o docente, ou o estabelecimento de ensino, deve considerar a concepção da criança com respeito a esse sistema, encarando-o como um ser pensante, e que não depende do sistema escolar para desenvolver sua escrita, uma vez que seu contato com o “mundo letrado” se dá bem antes da escolarização. Por isso, não bastam técnicas de aprendizagem, mas a compreensão de como esse processo se dá para a criança, mesmo antes de escrever e ler da forma convencional.
Para tanto, baseada na teoria psicogenética de Piaget, a autora desenvolve pesquisas específicas com o intuito de aproximar-se dessas tentativas que a criança faz.
Os resultados mostraram, de forma geral, uma série de níveis pelos quais essa criança passa até chegar à escrita.
Primeiramente, a distinção entre desenho e letra, ou o que se pode e o que não pode ler. Depois ela passa por várias fases de diferenciação intrafigural e interfigural, nas quais se estabelecem determinadas propriedades quantitativas e qualitativas, com a necessidade de determinado número de letras ou variação entre as palavras para que possam ser “lidas”.
A terceira fase ocorre quando a criança compreende o processo silábico da escrita com base na fonética, partindo então para o silábico-alfabético momento em que as unidades fonéticas são identificadas.
A mudança de uma fase para a outra é determinada pelo conflito que surge quanto à hipótese formada pela criança, forçando um desequilíbrio para uma nova assimilação.
Na pré-escola, surge então a polêmica: “deve-se ou não ensinar a criança a ler e escrever na pré-escola?”. Segundo a autora defende a questão não é essa, mas sim o que se deve fazer para que as crianças aprendam, permitindo que experimentem as diversas formas da língua escrita, desenvolvendo o “gosto mágico” pela escrita, e pelo aprender.
A autora coloca sua preocupação com o ensino, especialmente nas escolas públicas que são o foco principal quando se quer mudar a realidade de um país, e defende que, para tal, a escola deve deixar de se considerar como a detentora das chaves secretas que conduzem à alfabetização, para se tornar criadora de condições para que a criança descubra, por si mesma, que a língua escrita é muito mais do que símbolos e grafias, mas um modo de existência da nossa língua falada, construída através dos tempos pela sociedade.
  
HIPÓTESES NA CONSTRUÇÃO DA ESCRITA
As pesquisas de Ferreiro & Teberosky,segundo Colello(2004),buscaram descrever e classificar as sucessivas etapas de produção da escrita, tentando compreender o motor que impulsiona esse processo de aprendizagem. Suas conclusões apontam quatro momentos básicos pelos quais passam a maioria das crianças, independentemente do processo de escolarização:
  
I) A escrita pré-silábica é produzida por crianças que ainda não compreenderam o caráter fonético do sistema. Ela pode aparecer das seguintes formas:
  
a) escrita unigráfica (figural): reflete uma concepção elementar da escrita porque:
 • ela é mais ou menos semelhante na representação de diferentes palavras ou textos (sem diferenciação interfigural); 
• é impossível de ser analisada nos seus elementos constitutivos (letras, ou sílabas).
  
Contudo, essa forma de escrever demonstra que a criança compreendeu o caráter arbitrário do traçado gráfico: o desenho de um gato, por pior que seja, deve guardar alguma semelhança com o animal; a inscrição desse termo está livre do compromisso de fidelidade figurativa. Nesse caso, pode-se dizer que a criança descobriu a possibilidade de representar um gato buscando um recurso não icônico. 
b) escrita com letras inventadas (figuras 2 e 3): como a criança não conhece as letras convencionais, ela "cria o seu próprio sistema de escrita” cujas partes não têm relação com o valor sonoro do que se pretendeu representar. Esse tipo de escrita pode aparecer com ou sem variação inter ou intrafigural .( 1. Diferenciação interfigural: variação de símbolos nas diferentes palavras (nesse caso, o sujeito compreendeu que diferentes palavras são escritas de diferentes modos).2. Variação intrafigural: variação de símbolos numa mesma palavra.) 
c) escrita com letras convencionais, mas sem valor sonoro convencional (figuras 4, 5 e 6): pode aparecer com ou sem variação figural. 
II)escrita silábica (figuras 7, 8 e 9) representa um considerável avanço porque, nessa fase, a criança compreendeu que o sistema é uma representação da fala. Na tentativa de fazer corresponder "partes da fala” com "partes da escrita" , ela faz valer uma letra para cada sílaba. Tal como a escrita pré-silábica, as variações da escrita silábica podem ocorrer pela presença de letras convencionais ou inventadas, usadas com ou sem o valor fonético convencional.
III) A escrita silábico-alfabética (figura 10) é marcada por um momento de transição, no qual o indivíduo já percebeu a ineficácia do sistema silábico, mas ainda não domina o sistema alfabético. Na tentativa de acrescentar letras, ela acaba usando, numa mesma palavra, os dois critérios, podendo aproximar-se mais do silábico ou do alfabético.O resultado disso é uma escrita aparentemente caótica, nem sempre inteligível.
  
IV) Quando a criança conquista a escrita alfabética, compreendendo o valor sonoro de cada letra, ela pode ainda estar distante da escrita convencional, na medida em que não domine as regras e as particularidades do nosso sistema. Se considerarmos a ortografia, a pontuação, a acentuação, a divisão do texto em partes (palavras e parágrafos) entre tantas outras particularidades da escrita, pode haver ainda um longo e penoso caminho a ser percorrido (figura II).
  
As sucessivas hipóteses na conquista da escrita revelam, antes de tudo, o caráter essencialmente criativo da construção do saber. Por trás de cada produção incorreta e aparentemente aleatória, existe uma infinidade de concepções já formadas, de critérios inteligentes e de tentativas tão fecundas que, de algum modo, promovem a evolução.
O que está em jogo é o amadurecimento da consciência metalingüística, a partir da qual o sujeito consegue não só lidar com as propriedades formais da escrita e seus critérios de variação quantitativa e qualitativa, mas compreender, na prática, uma série de distinções fundamentais para aquele que se propõe a ler e a escrever. Entre tantas, podemos dar como exemplo a diferenciação entre:
  • sinais gráficos, letras e números;
  • imagem e texto;
  • fonema e grafema;
  • linguagem oral e linguagem escrita;
  • escrita e leitura, escrita e dialeto, escrita possível e escrita convencional.

 FERREIRO,Emília.Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo : Cortez.1996.

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