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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

EMÍLIA FERREIRO E O SABER DA CRIANÇA



(clique no nome da autora e veja artigo na integra)
"Considerar a língua escrita como objeto vivo é romper fronteiras entre a escola e o mundo" (Ferreiro)


A psicogênese de Ferreiro revolucionou a concepção de como as crianças aprendem à escrita, entretanto, a sua transposição para as salas de aula deu-se de maneira equivocada e redutora, permitindo que hoje as avaliações nacionais de educação sejam usadas como argumentos para defensores do método fônico contra a influência do construtivismo de Ferreiro.

I. A revolução conceitual

Quando pensamos em alfabetização e pretendemos traçar um panorama das idéias que afetam a educação brasileira não podemos deixar de lado os pressupostos apresentados por Emília Ferreiro e seus colaboradores na década de 80. Foi ela quem produziu uma verdadeira revolução conceitual na alfabetização, desmontando explicações que havíamos construído ao longo de décadas para justificar o fracasso escolar de crianças brasileiras na fase inicial da alfabetização.

Seu trabalho acadêmico divulgou-se tão rápido entre os educadores brasileiros e com tão grande ênfase, que o foco de atenção, antes, centrado no professor que ensina, passou a ser no aluno que aprende. Do ponto de vista teórico, suas idéias mudaram radicalmente as perguntas que orientavam os estudos sobre a aquisição da leitura e da escrita na alfabetização. Resgatando a compreensão do sujeito cognitivo de Piaget, os estudos de Emília Ferreiro, colocam a criança como ser capaz, mesmo muito pequena, de criar hipóteses, de testá-las e de criar sistemas interpretativos na busca de compreender o universo que a cerca.

Se antes as estatísticas educacionais apontavam que metade das crianças matriculadas nas escolas brasileiras reprovavam na passagem da 1ª série para a 2ª série porque apresentavam problemas de aprendizagem que se justificavam ora em função de carência nutricional, ora de falta de estímulo intelectual, de carência cultural, de problemas psiconeurológicos ou então deficiência lingüística. Emília Ferreiro aparece e afirma por meio de sua pesquisa (Psicogênese da língua escrita, em 1986 - uma descrição do processo através do qual a escrita se constitui objeto de conhecimento para a criança) que os problemas não são todos dos alunos e que é preciso repensar o papel da escola e do ensino oferecido às crianças, pois existem deficiências que se escondem atrás dos escabrosos números de nossas estatísticas que estão diretamente relacionadas com o papel da escola e do ensino na vida dos educandos.

Partindo da hipótese de que a aprendizagem da leitura e da escrita não se limita à sala de aula e de que a criança inicia o seu processo de alfabetização muito antes de entrar para a escola, Emília Ferreiro e seus colaboradores inovam ao assumir a alfabetização em uma abordagem mais ampla: deixando de ser uma questão exclusivamente pedagógica, que requer a utilização de um método preconcebido e atividades mecanicistas de treinos e memorização, a alfabetização se explica também pelas variáveis sociais, culturais, políticas e psicolingüísticas.

E é considerando essas variáveis que se trava o processo de construção da língua escrita. Um processo marcado externamente pelas interações sociais e pelas experiências do sujeito aprendiz com as práticas do ler e escrever, internamente, pelos conceitos construídos, subsidiados pela sucessão de contradições e conflitos cognitivos.

Assim, se durante muitos anos, a língua escrita foi compreendida como um código cujo funcionamento se explicava pela associação de fonemas e grafemas na formação de sílabas, palavras e frases, o que tornava possível a transposição da fala para o papel. E que bastava dominar a grafia das letras (pelo amadurecimento da coordenação motora fina), de associá-las aos seus respectivos sons (pela capacidade de atenção, concentração, memorização), e, ainda de ajustar a combinação de letras e palavras às regras da ortografia e de gramática (pelo exercício repetitivo das normas lingüísticas), para a escrita está definitivamente conquistada. Superando a esfera do código, Emília ferreiro, apoiada nos estudos lingüísticos, chama a atenção para a complexidade da escrita entendida como sistema de representação.

Sistema esse que nos obriga a admitir que não é o simples domínio do sistema que irá tornar o sujeito um escritor competente, porque, além disso é preciso que ele amplie a sua experiência e seus conhecimentos a ponto de reconhecer a escrita na sua especificidade . Ao lado dos princípios normativos que organizam o seu funcionamento (como a alfabeticidade e a ortografia), há uma vasta possibilidade de configurações e funções inerentes ao uso da língua que merece ser considerada nas mais diversas situações sociais de uso da escrita. Assim, longe de simplesmente colocar em prática os princípios de um código, o aprendiz acaba se envolvendo em processos de reflexão e recriação lingüística transformadores da própria linguagem: o que escrever, para que escrever, o gênero e a estrutura da escrita, seus destinatários e sua função social.

no caso da codificação, tanto os elementos como as relações já estão predeterminados (...) No caso da criação de uma representação, nem os elementos nem as relações estão predeterminados (...) a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação. Uma vez construído, pode-se-ia pensar que o sistema de representação é aprendido pelos novos usuários como sistema de codificação. Entretanto não é assim (...) as dificuldades que as crianças enfrentam são dificuldades conceituais semelhantes às da construção do sistema e por isso pode-se dizer que, em ambos os casos (sistema numérico e sistema lingüístico) que a criança reinventa esses sistemas (Ferreiro em Reflexões sobre alfabetização-1997).
A confiança no sujeito aprendiz, que se lança ativamente na construção do saber, o entendimento da escrita como sistema de representação e da alfabetização como um amplo processo reflexivo que se configura pela re-construção da língua escrita redimensionam a compreensão que se tinha sobre a pedagogia da alfabetização até o início dos anos 80. Pela primeira vez na escola, os métodos de ensino e as práticas tradicionais preconizadas pelas cartilhas deixam de ser o foco das perspectivas de inovação ou das promessas de superação do fracasso escolar.

O que há de fundamental na contribuição teórica trazida por Emília Ferreiro e colaboradores é a transferência do foco educativo: do professor que ensina para o aluno que aprende; do método preconcebido para a construção do saber; do projeto de ensino controlado em etapas para a prática pedagógica construída no dia-a-dia com os conflitos cognitivos emergentes em sala de aula; da progressão previsível e justificada para a flexibilidade capaz de respeitar o tempo do aluno, valorizando o seu ritmo de aprendizagem e o contexto no qual está inserido.

II. Conhecendo a pesquisadora revolucionária...

Ao contrário de grandes pensadores influentes na educação como Piaget, Vygotsky, Montessori e Paulo Freire, todos mortos, Emilia Ferreiro está viva e continua trabalhando regularmente. Nasceu na Argentina em 1937 e tem atualmente 68 anos, vive no México onde trabalha no Departamento de Investigações educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados (Cinvestav) do Instituto Politécnico Nacional do México.

Fez seu doutorado sob a orientação de Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971, à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Lílian Tolchinsk.

No ano de 1974, Ferreiro acabou afastada de suas funções docentes na universidade (a situação política na Argentina ia se deteriorando progressivamente) , mas mesmo sob tão difíceis condições o grupo se manteve e as pesquisas continuaram durante os anos de 1975 e 1976.

Em 1977, após o golpe de estado na Argentina foi abrigada a se exilar, e leva na bagagem os dados das entrevistas que ela e sua equipe haviam realizado cuja análise está na origem da psicogênese da língua escrita. Passa a viver na Suíça em condição de exilada e a lecionar na universidade de Genebra, onde inicia uma pesquisa com a ajuda de Margarida Gómez Palacio sobre as dificuldades de aprendizagem das crianças de Monterrey (México).

Em 1979, muda-se para o México com o marido – o físico e epistemólogo Rolando García, com quem teve dois filhos. Publica o livro Los sistemas de escritura em el desarrollo del ninõ em co-autoria com Ana Teberosky quem ajudou na análise exaustiva dos dados obtidos em Buenos Aires numa ponte entre Genebra onde se encontrava Ferreirro e Barcelona onde se encontrava Teberosky, pois o duro exílio se estendeu por alguns anos, até mesmo para a maioria das pesquisadoras desse grupo que foram obrigadas a espalhar-se pelo mundo.

Em 1982 publica com Margarida Gómez Palácio o livro Nuevas perspectivas sobre los proceesos de lectura y escritura, fruto de pesquisa com mais de mil crianças em que distingue oito níveis de conceitualização da escrita. Nos anos de 1985, 1986 e 1989 publica obras que reúnem idéias e experiências inovadoras na área de alfabetização realizadas na Argentina, no Brasil, no México e na Venezuela: la alfabetización em proceso; Psicogênese da língua escrita, Los hijos del analfabetismo (propuestas para la alfabetizacíon escolar em América Latina.

Em 1992 recebe o título de doutor Honoris causa da Universidade de Buenos Aires,em 1999, pela Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), em 2000 pela Universidade nacional de Rosário (Argentina) em 2003 é novamente homenageada com o título pela universidade de Comahue (Argentina) e Atenas (Grécia).

No Brasil, em 1994, recebe da Assembléia Legislativa da Bahia a medalha "libertador da Humanidade" que anteriormente fora atribuída ao líder sul-africano Nelson Mandela e ao educador brasileiro Paulo Freire. Em 1995 foi novamente homenageada com o título de doutor Honoris causa atribuído pela Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj). E em 2001 recebe do governo brasileiro a Ordem Nacional do Mérito educativo.

Hoje, desenvolve projetos de pesquisa, orienta teses e participa de reuniões acadêmicas no mundo todo. Estamos falando de uma personalidade que dentro do contexto significativo da educação, aparece não só como uma pesquisadora revolucionária, que apresenta novas convicções para recriar a realidade a partir de uma revisão crítica do conhecimento, mas que pelo mérito de sua iniciativa e magnitude de sua obra merece ser considerada como verdadeira educadora da humanidade.

Preocupada com as minorias, com a diversidade cultural, com o direito à palavra, com o impacto de suas descobertas, capaz de não só ousar no plano teórico, mas de assumir com humildade o diálogo com os educadores.

III. A construção da escrita e o papel da escola

A crença de que a alfabetização começava e acabava entre as quatro paredes da sala de aula e que a aplicação correta de um método garantiria ao professor o controle do processo de alfabetização dos alunos, baseava-se tradicionalmente no enfoque de como se deve ensinar a ler e a escrever.

Emília Ferreiro desviou o enfoque do "como se ensina" para o "como se aprende", colocando assim a escrita no seu devido lugar – como objeto sócio-cultural de conhecimento. Tirando da escola o monopólio da alfabetização e colocando no centro dessa questão o sujeito ativo e inteligente que Piaget descreveu. A idéia de que o aprendiz precisa pensar sobre a escrita para se alfabetizar era revolucionária.

Até então, acreditava-se no papel da escola que determinava os pré-requisitos necessários para a alfabetização, como um conjunto de habilidades de prontidão que as crianças deveriam ter para serem alfabetizadas e para verificar se essas habilidades estavam desenvolvidas a escola aplicava uma série de testes ou exercícios a fim de perceber a maturidade da criança.

Cabia ao professor ensinar essa tarefa estritamente escolar e as crianças só aprendiam aquilo o que o professor lhes ensinasse. Assim, primeiro o professor ensinava as letras e/ou sílabas escritas e seus respectivos sons e quando essas correspondências estivessem memorizadas as crianças seriam capazes de ler e escrever. Quando a criança não aprendia, ela é que tinha problemas de aprendizagem e precisava de tratamento clínico, psicológico ou psicopedagógico.

Mas como foi que essa crença, aparentemente tão estabelecida começou a ruir?

Com as investigações de Emília Ferreiro e colaboradores que demonstraram que ao contrário do que se pensava a questão crucial da alfabetização não era de natureza perceptual, mas conceitual. Ou seja, por trás da mão que segura o lápis e escreve e de um olho que lê, está um sujeito que pensa sobre a escrita. E que essa existe em seu meio social, não apenas entre as quatro paredes da sala de aula e com a qual ele toma contato por atos que envolvem sua participação em práticas sociais de leitura e escrita.

Pode-se falar de uma evolução da escrita na criança, evolução influenciada, mas não totalmente determinada pela ação das instituições educativas, mais ainda, pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio (isto é, pode-se não somente distinguir etapas sucessivas, mas também interligá-las em termos de mecanismos constitutivos que justificam a seqüência dos níveis sucessivos). (A escrita... antes das letras 1990).

Desmoronou porque a mudança no foco das pesquisas mostrou um elemento novo: as crianças tinham idéia sobre a escrita muito antes de serem autorizadas pela escola a aprender. Essas idéias assumiam formas inesperadas e ao invés das crianças irem acumulando as informações oferecidas pela escola, elas pareciam inventar formas surpreendentes de escrever que apareciam dentro de uma ordem precisa.

Não pretendemos neste artigo fazer uma descrição exaustiva da evolução das hipóteses infantis sobre a escrita. Mas nos deter no impacto que essas idéias tiveram na educação o que definiu uma espécie de marco divisor: um antes e um depois na história da alfabetização brasileira.

Com o objetivo de ampliar a compreensão dos educadores sobre os dilemas cognitivos enfrentados pela criança na construção da escrita, a publicação de Psicogênese da língua escrita, no início dos anos 80, teve o mérito de trazer a temática para uma abordagem mais ampla: dos aspectos formais (como o reconhecimento das letras e o estabelecimento das relações entre elas e outras marcas de representação como a pontuação, os números e os desenhos) aos modos de produção e interpretação a partir de fatores como a escolaridade, o dialeto e a ideologia. Nos anos seguintes, outros estudos foram realizados sempre com a preocupação de compreender as regularidades observadas na construção da escrita e os processos psicológicos inerentes á aprendizagem.

Entretanto, a psicogênese em sala de aula, acabou configurando-se sob a forma de práticas reducionistas e equivocadas. Os professores ansiosos por encontrar alternativas para os dramáticos índices de reprovação e fracasso escolar, acabaram fazendo uma transposição das situações de pesquisa para a escola como mais uma metodologia de trabalho do que propriamente como um estímulo à reflexão, ao estudo e ao planejamento de práticas compromissadas com os educandos. Muitos educadores lançaram-se á psicogenética como se ela fosse a solução para todos os problemas enfrentados em sala de aula.

E assim, uma série de modismos pedagógicos foram surgindo, criados pela má interpretação dos princípios psicogenéticos. O mais grave deles evidenciava uma posição espontaneísta em relação ao ensino das crianças, como podemos notar entre as práticas equivocadas que invadiram as salas de aula:

Ausência de intervenções pedagógicas para não "atrapalhar" o processo de aprendizagem, sem a preocupação de propor experiências favoráveis à construção do conhecimento;

Desconsideração do planejamento;

Aceitação de qualquer tipo de erro sem esforço interpretativo para entender a sua lógica ou para transformá-lo em recurso para a superação das dificuldades;

Pretensão de hierarquizar a aprendizagem em etapas induzindo a progressão do conhecimento a partir de sucessões dos níveis descritos;

Deixar a criança escrever livremente, sem interferências e sem propósitos ou destinatários; trabalhar só com textos em detrimento de uma reflexão mais sistemática sobre o funcionamento do sistema;

Evitar a correção ou qualquer forma de revisão textual.

Composição de livros didáticos que, pretendendo substituir as cartilhas, agrupam diferentes tipos textuais, mas não asseguram as especificidades do portador nem as reais situações de uso.

Entre tantas outras práticas reducionistas que seja pela resistência das práticas tradicionais, seja pelos equívocos da transposição das idéias de Ferreiro para sala de aula, os anos 80 e 90 foram marcados por expectativas frustradas no que se refere à alfabetização. O que prevaleceu foi um enorme contingente de alunos que passam anos sem escrever alfabeticamente ou daqueles que mesmo tendo atingido esse estágio não se constituem em efetivos usuários da escrita.

Junte-se a esse quadro professores desassistidos pelas iniciativas de capacitação com uma rotina profissional de incertezas, frustrados e incapazes para mudar práticas quando ainda não foram mudados os paradigmas que as subsidiam.

Considerar a alfabetização como construção de conhecimento em lugar de simples acúmulo de informações não significa assumir uma posição espontaneísta no que se refere ao ensino. Muito pelo contrário, uma abordagem psicogenética da alfabetização aumenta a responsabilidade da escola, em vez de diminuí-la. Nem significa que as crianças não precisem aprender o valor das letras. O que a psicogênese da língua escrita permitiu compreender é que esse saber não é suficiente para aprender a ler e a escrever. Mas insuficiente não significa desnecessário.

A complexidade da construção da escrita apresentada por Ferreiro e colaboradores, sugere a necessidade de iniciativas que, tanto do ponto de vista político quanto no plano pedagógico, possam estimular a continuidade de pesquisas básicas e aplicadas, ampliar o debate e a troca de experiências dos educadores, aproximar a universidade da escola básica, valorizar a educação, incidir sobre a formação inicial e continuada dos professores, favorecer a desburocratização escolar, a autonomia das instituições de ensino e o aprimoramento das condições de trabalho.

IV. A guerra dos métodos

Não há dúvidas de que as concepções de Emília Ferreiro deixaram marcas no discurso escolar brasileiro. São evidentes essas marcas nos documentos oficiais do país, nos cursos acadêmicos, nos livros didáticos, nos programas de escolas públicas e particulares. Já na década de 80, fase em que tais concepções começavam a circular no país, vimos que a proposta revolucionária de ensino da escrita acaba figurando dentro da famosa "guerra dos métodos" (sintético versus analítico).

Hoje, as avaliações nacionais de educação vêm sendo usadas como argumentos para as investidas de defensores do método sintético contra a influência do construtivismo de Ferreiro. As concepções de Ferreiro encontram como opositores mais frontais o chamado método fônico, que sempre foi e ainda é reforçado pela inércia escolar (método tradicional de ensino) ou por "provas científicas" que afirmam que a consciência fonológica é o preditor número um na aprendizagem da leitura.

Nesse contexto de embates discursivos, vale a pena rever alguns pontos importantes no confronto epistêmico sobre as produções teóricas de Ferreiro.

Se na década de 80 os dados ruins oriundos das avaliações nacionais eram usados para desqualificar os métodos tradicionais e propagar o construtivismo a um topo discursivo, hoje, o que temos é o contrário disso. Os dados obtidos nas avaliações brasileiras vêm sendo usados como fortes argumentos contra o construtivismo, como revela as avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb/2003) em que 55,4% das crianças brasileiras , depois de quatro anos sucessivos de escolarização, são consideradas em situação crítica quando se analisam suas habilidades de leitura e escrita (dessas 18,7% foram classificadas no nível " muito crítico"; os 36,7% restantes compõem-se de alunos que ainda não possuem as habilidades exigíveis ao término da 4ª série do ensino fundamental.

O porquê dessa mudança? Sabemos que o confronto teórico e científico faz parte da dialética do conhecimento e põe em relevo a importância da contraposição de idéias e de hipóteses explicativas. Entretanto, o que nos preocupa é a entrada de idéias abruptas, que quase sempre são vista, sobre tudo por políticos e intelectuais do mundo acadêmico, como soluções revolucionárias para antigos problemas do sistema educacional.

A idéia agora, é que a entrada do método certo e a remoção do errado (no caso, o velho agora é o construtivismo e as idéias de Ferreiro), resolveria o problema do fracasso escolar. Como afirma Belintane sobre os especialistas internacionais e convidados estrangeiros que fazem parte de um grupo de trabalho criado no Brasil, em 2003, pela Comissão de Educação da Câmara Federal dos Deputados para apresentar ao Brasil uma visão atualizada sobre as teorias e práticas de alfabetização com base em uma análise da situação brasileira:

Os eminentes especialistas não vieram aqui sob os auspícios da neutralidade científica para evidenciar criteriosamente as causas do mau desempenho do ensino brasileiro e oferecer sugestões neutras e eficientes ao Estado brasileiro. Vieram, sim, como defensores do "método fônico", com claro objetivo de dasalojar a influência construtivista dos documentos oficiais e de alguma possível estratégia na realidade brasileira. (VIVER MENTE E CÉREBRO.São Paulo, edição especial nº 5, 2005. p.64)
O mesmo autor ainda afirma em artigo publicado para a revista viver mente e cérebro que:

O mesmo fenômeno vem acontecendo nos EUA, na França e na Inglaterra – aliás, por estranha coincidência, os especialistas são organizadores do movimento fônico nesses países, onde erigiam e aparelharam organizações específicas com o objetivo de influenciar politicamente e intervir nos ministérios da educação de seus países. (op.cit, p.64).
Dessa forma, nesse relatório encomendado pela Câmara Federal, a concepção de Emília Ferreiro, juntamente com as de Goodman e Smith (o chamado método global), é questionada em seus pressupostos teóricos e rotulada como responsável pelo fracasso escolar no Brasil.

O que nos chama a atenção nessa contenda é a visão simplista de que a remoção do método errado pelo certo prevaleça ainda à revelia da história e dos contextos, o que nos confirma o desejo de muitos de que a complexidade no campo educacional ceda aos apelos desta ou daquela panacéia.

Não é difícil perceber que hoje o método fônico seduz justamente pelos desvãos e limites encontrados pelos professores no trabalho com o construtivismo de Ferreiro e deve-se a isso o fato de em sala de aula a pesquisa de Emília Ferreiro ser transportada de maneira equivocada como mais um método a ser utilizado pelos educadores no processo de ensino. Gostaríamos de enfatizar que esse não é o e nunca foi o principal objetivo da pesquisadora revolucionária: O de criar mais um método.

E sim apresentar elementos importantes para a educação brasileira, entre os quais podemos enumerar: a ênfase nos processos de aprendizagem, que de alguma forma pôs em relevo a cognição e a cultura da infância; uma aproximação maior entre a educação e a pesquisa; que pôs em questão a supremacia dos manuais didáticos que se punham acima dos contextos e das diferenças; busca de estratégias interdisciplinares que tentam dar mais sentido ao conhecimento escolar.

Acreditamos que tais descobertas científicas, não podem ser transpostas e assumidas como uma pequena parte que vale pelo todo. O todo do ensino é bem mais complexo e exige estudos (pesquisas em educação no Brasil mais contextualizadas); valorização profissional e capacitação docente; reorganização do espaço escolar; planejamento curricular e de políticas educacionais que não queiram jogar um "método novo" nas mãos dos professores e depois dar às costas às outras dimensões do ensino.

V. Considerações Finais

Assim, não dá para aceitar que a culpa pelos desarranjos estruturais da educação brasileira, seja atribuída a uma pesquisadora séria como Emília Ferreiro. Se o sistema escolar estivesse bem estruturado e organizado, as idéias novas não seriam vistas como "a salvação" o que envolveu as pesquisas de Ferreiro. Se há um contingente de crianças que ainda não sabem ler, mesmo após quatro anos de escolarização, com certeza isso não se deve às influências do construtivismo ou das idéias de Ferreiro, mas muito provavelmente à políticas educacionais e administrativas que com medidas econômicas reforçam os vícios e a burocratização do ensino público: corporativismo, formação de professores insuficiente e inadequada; centralização administrativa; medidas educacionais tomadas com o objetivo de maquiar estáticas e agilizar o fluxo escolar; entre tantas outras mazelas que fazem o ensino emperrar com quaisquer métodos.

Portanto, resta-nos afirmamos em sã consciência que as concepções de Emília Ferreiro e colaboradores figuram entre as grandes e boas pesquisas que contribuíram e ainda contribuem para o como de educação; mas que para que não seja interpretada de maneira equivocada na guerra dos métodos é preciso considerar os seus limites e as dificuldades que a política brasileira impõe ao ensino.

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